Tuesday, September 18, 2007

Edu Miranda Choro de Longe
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Por esta altura já com um segundo trabalho em fase final de produção, tornou-se imperativo apresentar o autor e músico Edu Miranda através do seu primeiro trabalho discográfico, que chegou ao público numa edição de autor, de 2003, mas que, pela qualidade que apresenta, quer no que se refere às composições interpretadas, da autoria do próprio Edu Miranda e de Tuniko Goulart, que normalmente acompanha e executa o violão, quer pela execução primorosa de ambos, ao sabor e ao saber dos dois únicos instrumentos utilizados, o violão e o bandolim, merece o destaque que nesta oportunidade lhe dedicamos. Com a utilização simples e eficaz daqueles instrumentos, "Choro do Longe" constitui no panorama musical, contemporâneo e instrumental, editado e produzido no nosso país, um interessante reaparecimento do bandolim, no género e na tradição do chorinho, bastante vulgarizado durante o séc. XX no Brasil, donde ambos os músicos são naturais e naturalmente nascidos para a música. Constitui ainda assim, um significativo exemplo do reencontro com o bandolim, na sequência também das suas próprias origens, marcadas pela tradição instrumental europeia, das cortes e salões do séc.XIX, da música tradicional portuguesa e do som negro da escravatura, renascido em forma de chorinho com o vigor que se reconhece nas terras novas do Brasil, das suas composições e autores, que o tornaram então, famoso e muito difundido. O mesmo instrumento é agora reinterpretado neste trabalho discográfico, em temas originais, num contexto diferente mas que facilmente poderia encontrar as suas próprias raízes naquele universo original e na fusão que o tempo e a história se encarregaram de fazer, na esteira de outros chorões (1), seguindo novas influências e realidades, de alguma forma prosseguindo esses passos primordiais, e reinventando-os, com um trabalho, no mínimo, muito interessante. Se na composição, rítmica e melódica, este trabalho não é de facto, arrojado e inovador, a harmonia que traduz e o exemplar encontro que estes dois músicos interpretam, tornam “Choro do Longe” uma obra de arte musical que vive só por isso mesmo, como sempre deveria ser, além de tudo, pela qualidade intrínseca e pelo prazer de audição que produzem a quem ouve, este choro... não que bastantes vezes os temas apresentados não traduzam uma sonoridade em contrário, bem atrevida e alegre, como na abertura em Sempre à Margem, ou mais contemporânea como em Karoço, ou em jeito de morna com no tema que dá título ao álbum, Choro do Longe, ou ainda feito chorinho como em Maria Migalha, ou em Forrozado com um tempero de forró. O que nos leva a ouvir incansavelmente este trabalho são os excelentes arranjos, conjuntos harmónicos perfeitos, uma qualidade interpretativa “intocável”, e um resultado final equilibrado, muito interessante, tranquilo, intenso e de elevada qualidade sonora, enfim, um óptimo exemplo de música instrumental contemporânea de raízes lusófonas... Tanto na composição como na execução, assistimos a uma perfeita sintonia entre os dois instrumentos, com o violão, mais do que a sustentar a linha melódica do bandolim, a intervir na composição harmónica, com uma presença muito forte, também muito ao género de mornas e coladeras, apresentando constantemente um desenho dos bordões criativo e discursivo, que a par dos solos do bandolim numa também muito criativa e interessante linha melódica, nos permite dizer que nada ou nenhum instrumento mais poderiam acrescentar algo ao gozo pleno dos temas apresentados. Choro do Longe apresenta composições e arranjos de ambos os músicos, que de uma forma curiosa e aparentemente natural, consegue resultar muito homogéneo, não se notando significativas diferenças no discurso criativo e sonoro final. Longe de parecer mal, este facto parece revelar um intenso trabalho conjunto na elaboração dos arranjos e a considerar o excelente resultado final, parece-nos que ambos os músicos acertaram na aposta, conseguindo um álbum digno do maior destaque, apenas contido pela inoperância e desatenção habitual do nosso mercado editorial, que tarda em despertar para os fenómenos de todo um universo de novos talentos, fragilizando uma indústria cada vez mais carente de matéria prima disponível e correspondentemente magnetizada e dependente do mercado estrangeiro do produto acabado e embalado. Indústria nacional, que como qualquer outra, tanta falta faz para o progresso intelectual, cultural e económico... da lusofonia.
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Miguel Esteves

(1) Chorões – nome dado aos que praticavam uma determinada melodia de uma forma mais emotiva, mais chorosa, que dá mais tarde origem ao género musical chorinho, designação que se vulgarizou durante o séc. XX, nomeadamente no Brasil, com o aparecimento de autores, grupos e intérpretes como Casa Edison, Oito batutas, Chiquinha Gonzaga, Pinxinguinha, Jacob do Bandolim, Luperce Miranda, entre muito outros.

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