Tuesday, September 18, 2007

Cantarolices - Modas à Margem do Tempo

O álbum que apresentamos neste número tem por título “cantarolices” e é-nos trazido pelo grupo “Modas à Margem do Tempo”. Tanto o título do trabalho como o nome deste grupo sugerem a sua própria génese e devolvem-nos o mote para este texto. Sem pretensões etnográficas e sem qualquer carácter patrimonial e histórico evidente nas composições apresentadas, este grupo mantêm-nos à margem do tempo, mas no nosso tempo e revisita as modas alentejanas tal e qual as poderíamos sentir hoje, de dentro de um outro envolvimento social e laboral, que não do resultante do trabalho na lavoura, mas de outro, claramente urbano e elaborado de acordo com essa realidade, nem por isso menos importante. Na impossibilidade física de podermos recuar no tempo, é desta forma, sem desprimor por todas as outras, original na orquestração e arranjos, que também poderemos perpetuar as nossas raízes, as de todos nós, e nitidamente as daqueles que aqui nos trazem as suas cantarolices interpretando as modas presentes neste álbum. Ao rigor das vozes mais tradicionais e mais coladas às melodias originais, da responsabilidade de José Melo e Tolentino Cabo, este trabalho acrescenta outros elementos que nos remetem para a realidade de hoje, cosmopolita e necessariamente aberta a outras influências e sonoridades. Nem sempre como no caso presente essa síntese se revela tão feliz e apropriadamente confeccionada, bem temperada e aguçada com os cheiros da região. É assim que àquelas vozes principais se juntam as harmonias das guitarras acústicas, construindo uma base sonora à qual se adiciona a bem temperada secção rítmica, muitas vezes constituída pelas percussões de Cláudio Trindade e ainda pelo acordeão de Celina Piedade ou pelo violoncelo de Susana Santos, mais por aquele, muitas vezes alternando a colocação rítmica pela harmónica e vice-versa, ao longo dos temas ou nos vários temas, traduzindo uma sonoridade muito bem conseguida, também na construção harmónica, sublinhando as melodias ou o seu contraponto. Destaque para os temas onde violoncelo ou acordeão são chamados para a primeira linha de construção dos arranjos, como por exemplo em “Pombinha Branca”, onde revelam uma expressão pouco habitual nestes ambientes e por isso muito original. Onde o apurado acerto no tempero se revela é na junção das vozes masculinas e femininas. Sem traduzir qualquer rigor na interpretação do tradicional, a verdade é que as quatro vozes se conjugam de forma excelente, constituindo esta uma das principais particularidades deste trabalho, matizado pela polifonia de vozes e instrumentos. Quase sempre os temas são iniciados pelas vozes masculinas, mas é no momento da sua união com as vozes femininas que o brilho da melodia mais se evidencia, tanto pela harmonia que criam, no uníssono, como pelo interesse que proporcionam aos temas, quando enquadram o elemento de resposta. É o caso de “extravagante” onde o tema é interpretado na primeira parte também pelas vozes femininas, em contratempo. A segunda parte deste tema, apenas interpretado pelas vozes masculinas, não seria tão evidente e conseguido sem o contraponto dado no início pelas vozes femininas, que voltam no final do tema. Quando conjugados com a qualidade das melodias alentejanas, este conjunto de factores e sabores complexos, de difícil tempero e equilíbrio, criam um som original, mais evidente nos temas onde tudo isto se concretiza de forma exemplar como na “moda do manageiro” ou em “a ribeira”. Por último, duas notas. A primeira para as representações em barro da “Oficina da Terra” que muito agradaram e a segunda para a ficha técnica, demasiado pobre e resumida, aquém do que o trabalho, produto da região, merece, nomeadamente no que se refere às datas de edição ou à informação sobre os temas interpretados. Ficamos á espera do próximo trabalho, na expectativa da confirmação deste som e do apuramento das suas qualidades, made in Alentejo.



Miguel Esteves

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