Monday, March 26, 2007

Textos críticos editados na Revista Alentejo (edição bimensal da Casa do Alentejo) sobre trabalhos discográficos editados em Portugal; por Miguel Esteves. Edição n.º 6, Março / Abril de 2005; © Ambiguae Edições, 2003; título: pianoencontrabaixo

pianoencontrabaixo
Uma nova etiqueta apresenta-nos um inovador trabalho discográfico de dois novos músicos, numa aposta nova e arrojada, tudo isto, no Alentejo! Com efeito, talvez relembrando-nos que por cá também podemos produzir e com qualidade, que também podemos dar vida a uma indústria produtiva, alicerçada na nossa própria cultura e gentes, uma nova editora com o selo Ambiguae Edições vem apresentar-nos a sua primeira edição discográfica, estreando-se com o projecto pianoencontrabaixo, que tal como o nome indica, vem juntar aqueles dois instrumentos num diálogo que nos traz ao presente algumas das melhores composições que se escreveram para contrabaixo, por autores de expoente máximo da cultura da humanidade, evidenciando as qualidades e o virtuosismo específicos deste instrumento. Numa aposta pouco usual e arriscada, mas nem por isso menos meritória, esta editora dá-nos a conhecer o contrabaixista Carlos Menezes, natural de Estremoz, acompanhado pelo pianista italiano Mauro Dilema, que com um virtuosismo, inesperado para os mais cépticos, interpretam peças de Constantin Dimitrescu, Attilio Ariosti, Rodion Shchedrin, Carl Nielsen, Serge Koussevitsky e Astor Piazzolla. Todas as peças presentes neste trabalho foram originalmente escritas para contrabaixo, como instrumento solista, aqui interpretadas com o acompanhamento do piano. A excepção refere-se à última peça do disco, escrita por Astor Piazzolla para quinteto de contrabaixo, piano, violino, viola dedilhada e bandoleon. Temos assim um trabalho de música erudita, do barroco ao contemporâneo, que apresenta dois músicos de qualidade inegável e universalmente reconhecível, produzido de forma cuidada, a não perder, por todas as razões, nomeadamente para os que não hesitarão em repousar os ouvidos neste som de cor terra forte, surdo e ao mesmo tempo intenso, na respiração e na vibração do arco do contrabaixo, nos diálogos, na genialidade dos compositores que aqui estão representados. Com uma apresentação gráfica interessante, porventura condicionados pela limitação física que constituem os discos compactos dos nosso dias, bem distantes da liberdade, em termos do espaço físico disponível, dos vinil de antigamente, são-nos ainda assim apresentados os compositores presentes, através de textos biográficos excelentes, sucintos pelas razões expressas, mas muito interessantes e elucidativos, da autoria de Octávio Martins. Um bónus!
Rompendo de alguma forma a ideia comum da nossa tradição musical, porventura redutora, este trabalho vem-nos mostrar que muitos jovens despontam, com as qualidades evidentes de uma qualquer boa sementeira, na minha opinião, também um fruto tradicional, resultado em grande medida desta mesma tradição, noutra matriz, gerada nas escolas de música e bandas que, de facto, existem e pontuam o nosso quotidiano. Os seus frutos, como será óbvio, são os nossos, os de uma sociedade que tem muito mais que “mainstream’s” ou “populares brejeiros”, e que espera que finalmente olhemos para todos, por que de todos e com todos se constrói uma memória, um país.

Miguel Esteves

Wednesday, March 21, 2007