Wednesday, September 19, 2007

helenacaspurromulheravestruz

Viver com prazer. A poesia e a música encontram-se no prazer, no lugar onde sempre deveriam coexistir. Helena Caspurro foi a mais recente surpresa no universo produtivo que tantas vezes elogio nesta rubrica, testemunho deste lugar estranho, a ocidente, onde contra todos os ventos e marés, uma inevitável e inegável vontade de partir se sobrepõe a tudo o resto, quase parecendo que assim é e que deveria ser este, o terreno mais fértil e mais propício para a criação... tentação de pensar assim, que a ser verdade ou a ser considerada como tal, nos levaria à tentativa ilógica e antagónica de elevar ao impossível as condições de produção artística, na forma de encontrar os seus melhores frutos, mais pequenos, é certo, mas muito mais saborosos. De alguma forma, como quem evita dar água à vinha, sabendo assim guardar o seu açúcar, prevendo o melhor néctar à saída das pipas, o melhor e mais intenso vinho... não fosse o caso de conhecer-mos outros universos produtivos, leia-se outros países, outros contextos culturais, que à muito entenderam esta realidade, de uma indústria que como todas as outras pode e deve contribuir para o seu próprio bem-estar cultural e económico, e entendido assim, protege e incentiva os seus corações produtores, os seus criadores. Sem que isso deva significar de algum modo, qualquer forma de xenofobia cultural, o que também e infelizmente, muitas vezes, acontece, já agora, enalteçam os nossos artesãos do sonho, apenas criando e propiciando reais condições de igualdade de oportunidades, sem perder uma das grandes virtudes deste nosso lugar, a ocidente, permanentemente e sinceramente aberto ao exterior e ao que lá se produz. É claramente a descrição de um universo onde teríamos acesso generalizado ao prazer de encontrarmos estes frutos e de os poder escolher, provar e partilhar. Resta-nos acreditar na existência de uma dimensão paralela, da sua construção, aqui e no presente, onde haverá espaço para estes maravilhosos frutos, para todos eles. Helena Caspurro, a Mulher Avestruz, título deste álbum e do primeiro tema nele incluído, traz-nos este fruto novo, elegante, intenso e de sabor levemente picante, muito ligeiramente ácido, adstringente e com prova surpreendentemente rápida, com um final leve e ao mesmo tempo inesquecível. Revela-se-nos no seu intimo, à sua poesia, conta-nos do prazer, de viver, que (...) o saber está por viver, viver com prazer (...). Piano e voz percorrem este trabalho, com fluência e intimidade, onde palavras e notas se entrelaçam, jorrando como um improviso, do fundo da alma. Tratando-se evidentemente de uma pianista extremamente dotada, a sua voz completa o que as mãos não dizem, como um só instrumento, uma só expressão, uma só voz, porque (...) há palavras que só se esgotam quando não são apenas ditas... e há o que não se pode dizer por palavras (...). Helena Caspurro escreve assim neste trabalho, quanto a mim, resumindo clara e sucintamente o que aqui nos traz. Graficamente, ressalvando o facto de no folheto que acompanha este álbum, a poesia escrita nem sempre estar tão legível quanto merece, este trabalho acompanha toda a imensa qualidade demonstrada, formando um conjunto imperdível. Mulher Avestruz inclui quatro temas, além daquele que dá título ao álbum, a saber, Satíria, onde reafirma toda a sua poesia, uma tal maneira de estar, de ser! Oh p’ra ela, (...) um perlimpimpim (...) que perdeu (...) o amor por ti (...), que ganhou (...) um gostar de ti (...). Em Corpus, terceira faixa do álbum, é o piano que domina integralmente todo o tema, fruição absoluta, porque a música não se diz. (...) e, se numa tentativa de definir por palavras o que não se pode dizer apenas, ainda dissermos que a música fala, estamos talvez em êxtase no mundo simples das metáforas (...). Por fim, em l-o-v-e you, temos um jazz, com alma de blues, com alguns sabores tropicais, misturas dos dois lados do oceano, aqui e ali, explorando uma sonoridade mais simples, mais reconhecível, de partes de memórias, de invocação a outras divas, dando mais espaço ao improviso (...) que o improviso é como o falar dos poetas (...), a vocalizos e respirações, familiares. É assim, a Mulher Avestruz. Fim.
.
Miguel Esteves

No comments: